De algum tempo a esta parte almoço habitualmente perto do atelier à sexta-feira, no mesmo restaurante, grão cozido com bacalhau. O bacalhau é de qualidade variável, o grão é sempre saborosissimo. É um restaurante antigo, data do inicio da ocupação do bairro, o final dos anos quarente e o inicio dos anos cinquenta do século XX. A clientela é maioritariamente de moradores e com o envelhecimento da população residente, são mais mulheres que homens de idade, os frequentadores. Os homens morrem primeiro, como se sabe. Dá-se até o caso de, como os empregados lá estão desde miúdos, acompanharam o envelhecimento dos clientes e guardam, com a maior parte, um certo carinho, dando ao local um peculiar ar de familia. Quando acontece algum cliente ficar doente e acamado, lá vão a casa, com o almoço, ora um ora outro dos empregados. A mesma atenção acontece quando se mudaram para algum lar de terceira idade. Aí vão buscar a cliente ou o cliente para trazer a almoçar indo depois dar um pequeno passeio. Casos há em que até partilham a gestão da conta bancária onde a pensão é depositada.
A conversa que aqui trago ocorreu numa dessas sexta-feiras.Tinha acabado de almoçar e com o café peguei no jornal. A senhora que entretanto se sentara na mesa ao lado perguntou-me:
– Acha que ainda vale a pena ler jornais? Dizem cada um a sua coisa. Os meus filhos, um é economista e o outro empresário repetem-me:
– Deixa lá mãe, não te preocupes. Mas preocupo-me. Tenho acções e não percebo nada do que se passa. Como é que podemos ter uma opinião, não lhe parece? No natal passado foi um quebra-cabeças com as prendas. São 10 netos e seis bisnetos, nem sei o que lhes dar. Resolvi escolher moedas estrangeiras que sobram das viagens e dar umas quantas a cada um. Não sei quanto valem, os pais que as troquem, disse-lhes. Um dos bisnetos tem agora 8 anos e quando viu as moedas perguntou-me:
– oh bivó tu és negociante de moedas? Veja lá o que são os miúdos hoje.
Vim de taxi da Lapa até aqui. Moro ali na Praça de Londres mas fiquei num dos meus filhos. Eles não querem que esteja sozinha mas hoje em dia não se pode meter ninguém em casa, é uma preocupação e eu o dinheiro que dou por mais bem empregado é até o das refeições. Não há preocupações de compras, nem de cozinha nem nada. Ah mas o taxista não se calou toda a viagem, até paguei o dobro do costume. Mas o homem tinha muita razão. Contou-me quase a vida toda. Tinha-se separado da mulher agora aos 64 anos. Ela é que o deixara. Fora viver com um brasileiro e a mulher deste. Uma dessas novas religiões que aí há. Agora parece que vivem os 3 juntos. A mulher quer o divorcio mas ele é católico e não quer dar-lho. Além de que tinha ainda que lhe dar metade do valor da casa. Uma tragédia. Não tinha o dinheiro, não tinha idade para pedir empréstimo e se vendesse a casa, com o que sobrava não conseguia comprar outra. Enfim problemas. Ainda me contou que encontrou um dia a mulher com o brasileiro e este a rir-se lhe disse:
– Ainda havemos de gozar com o seu dinheiro. Imagine. O homem pensou em matá-la e tudo, mas um amigo conhecia um guarda na prisão do Linhó e para o dissuadir levou-o lá dizendo-lhe:
– Vê bem, tu máta-la, és condenado e passas aí dentro o resto dos dias. É isso que queres?
Bem, o homem parece que se acalmou. E também matar é pecado.
Agora, disse-me então, que se calhar vai para o Brasil. Um rapaz de um café perto de onde mora falou-lhe dos preços das casas e do custo de vida na terra dele, uma vilória no interior do Brasil e o homem anda a fazer contas à vida para ver se emigra para lá. São só tragédias por todo o lado.
Tinha que ir trabalhar, levantei-me e despedi-me:
– Então muito boa tarde, gostei muito.