Poema de geometria e de silêncio
Ângulos agudos e lisos
Entre duas linhas vive o branco
Ó Poesia – quanto te pedi!
Terra de ninguém é onde eu vivo
E não sei quem sou – eu que não morri
Quando o rei foi morto e o reino dividido.
*
Nas praias que são o rosto branco das amadas mortas
Deixarei que o teu nome se perca repetido
Mas espera-me:
Pois por mais longos que sejam os caminhos
Eu regresso.
Mandei para o largo o barco atrás do vento
Sem saber se era eu o que partia.
Humilhei-me e exaltei-me contra o vento
Mas não houve terror nem sofrimento
Que à praia não trouxesse
Morto o vento.
Margens inertes abrem os seus braços,
Um grande barco no silêncio parte.
Altas gaivotas nos ângulos a pique,
Recém-nascida a luz, perfeita a morte.
Um grande barco parte abandonando
As colunas dum cais ausente e branco.
E o seu rosto busca-se emergindo
Do corpo sem cabeça da cidade
Um grande barco desligado parte
Esculpindo de frente o vento Norte
Perfeito o azul do mar, perfeita a morte
Formas claras e nítidas de espanto.
Dormem na praia os barcos pescadores
Imóveis mas abrindo
Os seus olhos de estátua
E a curva do seu bico
Rói a solidão.
*
Dai-me o Sol das águas azuis e das esferas
Quando o mundo está cheio de novas esculturas
E as ondas inclinando o colo marram
Como unicórnios brancos.
Noticia Bibliográfica:
Os poemas foram extraidos do livro “CORAL” de SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN com ilustrações do pintor José Escada.
A edição foi de Portugália Editora, sem data.