Ouvia ao fim da tarde em agradável concerto as VESPRO DELLA BEATA VERGINE de Monteverdi, numa interpretação despida de qualquer religiosidade, quando a memória saltou para Veneza e para os Ticiano da Igreja de Santa Maria dei Frari.
A Assunção no brilho daquela espécie de fogo interior e a sensualidade da jovem personificando a Virgem, dominam a Basílica. À esquerda, o Retábulo Pesaro oferece-se no esplendor de azuis e vermelhos e na carnalidade profana dos seus figurantes.
E de Ticiano em Ticiano, com a memória em passeio, cheguei a Nápoles.
Era um dia de calor tórrido no verão de Nápoles.
O desejo de tudo ver levou-me a subir ao Capodimonte em plena hora do almoço.
Chegado lá a pé e mais morto que vivo apesar dos 20 anos, fiz a visita do museu. Percorro as salas, e numa volta do olhar surgem aqueles três personagens que me olham com a vivacidade da presença das suas pessoas. Falo do retrato de Paulo III pintado por Ticiano rodeado dos seus dois netos. O magnetismo do olhar do velho é avassalador. O dinamismo na composição jogando com a posição relativa dos retratados dão uma vida perene ao quadro. Mas é o domínio do vermelho que irresistivelmente me atrai.
O retrato foi pintado para emular a pintura que Rafael fez do Papa Leão X e o resultado não podia ser mais díspar. Com a mesma paleta cromática, à majestade e serenidade de Rafael, contrapõe Ticiano a ganância, a subserviência e o desejo de poder que o jogo de olhares e as atitudes transmitem. Não admira, pelo resultado, que o quadro de Ticiano tenha permanecido longo tempo guardado na Vila Farnesina.
Possui este edifício um conjunto notável de frescos dos quais apenas um pertence a Rafael, não obstante a decoração do interior do palácio lhe ter sido encomendada. Terá desenhado alguns dos restantes frescos que outros acabaram, pois parece, andava excessivamente entretido com a sua musa inspiradora, passada à história como La Fornarina, e desistiu de os pintar. Isto porque o cliente não disponibilizou as condições para a sua amada viver com ele enquanto trabalhava.
É no retrato de La Fornarina que finalmente transborda todo o erotismo latente nas langorosas madonas de Rafael.
Gente seguramente incapaz para o amor acusa-a da responsabilidade da morte precoce de Rafael aos 37 anos referindo-a como “a mulher que conduz o homem pela febre dos sentidos, em que ele se esquece de si, perde-se, perde a capacidade de criar”. Se haverá no mundo melhor coisa que ser conduzido pela febre dos sentidos?
Picasso na sua vastíssima obra erótica aproveitou para recriar o espectáculo deste amor. Trata-se de uma série de gravuras a ponta de aço feitas em 1968, denominada “Rafael e a Fornarina. O esplendor do desejo numa representação explícita do acto sexual aparece ali numa ofuscante beleza plástica. É difícil perante estas gravuras traçar a fronteira entre o belo e o obsceno.
Como estamos longe do suave erotismo das gravuras que ele fez para a chamada Suite Vollard nos anos 30. Decididamente a idade torna os homens desbragados.
Mas voltando ao quadro de Paulo III, equivalente a este no revelar de personalidades, só conheço, de Ticiano, o retrato de Pietro Aretino no Palazzo Pitti, em Florença.
Personalidade notável do século XVI italiano, de Aretino guarda hoje a humanidade memória da poesia erótica que escreveu. Como poucos, encontrou no relato poético dos actos sexuais humanos a forma superior da poesia que permite guadar na lembrança, para lá do escandalo em mentes resguardadas no pudor, o que à humanidade sempre mais importou.
Em português dispomos da tradução notável de 26 sonetos luxuriosos por José Paulo Paes (1926 – 1998) poeta e tradutor brasileiro. A edição portuguesa desta tradução (2006), graficamente desmerecedora da poesia que contém, encontra-se ainda à venda, talvez.
Transcrevo para dar a medida a quem os não conheça, o soneto que nesta edição possui o nº6
Miri ciascun di voi ch’amando suole / Atenta bem,ó tu que amando estás
Esser turbato da sì dolce impresa, / E a quem turva tão doce empreendimento,
Costui ch’a simil termine non cesa / Neste que leva a cabo tal intento
Portarla via fottendo ovunque vuole. / Ledamente fodendo onde lhe apraz.
E senza andar cercando per le scuole / Sem de qualquer escola andar atrás
Di chiavar, verbi gratia, alla distesa, / Por trepar verbi gratia a todo tento,
Far ben quel fatto impari alla sua spesa / Fará feito sem-par e a seu contento
Qui che fotter potrà senza parole. / O que possa foder sem ser loquaz.
Vedi com’ei l’ha sopra delle braccia / Vede como nos braços a levanta
Sospesa con le gambe alte a suoi fianchi, / Ele, que as pernas dela tem dos lados
E par che per dolcezza si disfaccia. / E como de prazer já se quebranta.
Né già si turban perché sieno stanchi, / Não se perturbam por estar cansados,
Anzi par che tal gioco ad ambo piaccia, / Mas o jogo lhes dá ardência tanta
Sì che bramin fottendo venir manchi. / Que fodendo queriam-se finados.
E per diritti e franchi / E retos, sem cuidados,
Anzano stretti a tal piacer intenti, / Ofegam juntos, de prazer frementes,
E fin che durerà saran contenti. / E enquanto ele durar, estão contentes.
É entre memórias e poesia que ao vôo de pássaro a memória corre.
Sento-me e à secretária revivo aquela tarde quando ela inesperadamente me visitou.
Fizéramos amor de pé e agora repousávamos, num repouso acariciado, na cadeira da secretária. Ela sentada no meu colo, as mãos passeavam a pele crispada, a língua lambia o pescoço e a boca beijava cada centímetro acessível enquanto o pénis enfiado na vagina mantinha a erecção da continuidade. O desejo ardia e a vontade de continuar mostrava uma tesão insaciada.
Antes, quando de pé, enquanto lhe acariciava o ponto G(ostoso) e chupava um mamilo, ela não se segurou, em tal torrente e durante tanto tempo, que ambos ficámos surpreendidos. Soltara-se algo no interior e eis que o gozo chegava em borbotões num êxtase imparável de convulsões intensas.
Começáramos, ela sentada na cadeira e eu de joelhos no chão explorando com a língua e a mão as voltas e texturas dos grandes lábios e do clitóris, seguindo a língua e os dedos percursos diferenciados e independentes.
Aflorado um primeiro êxtase beijámo-nos longamente, as línguas sugando até ao fundo da alma e depois trocámos de posição. Ela de joelhos sorvia-me o pénis enquanto eu sentado chegava a alturas de paraíso. Parámos antes da ejaculação e agora era ela que de costas, um joelho sobre o assento da cadeira, queixo e ombros apoiados no espaldar, oferecia a deslumbrante curva das nádegas ao olhar e a vagina húmida e fremente à penetração. Que gozo, que prazer penetrá-la assim, acariciando a linha de violoncelo que vai da cintura ao inicio da perna enquanto num movimento de vaivém o desejo aumenta a alturas insondáveis.
Acariciados o peito e os mamilos veio uma vontade forte de os beijar. Abraçámo-nos e escorregando para o chão deitei-me de costas e ela de joelhos sobre mim controlava a penetração movendo-se ora lenta, ora violentamente num vaivém irregular que nos levou a ambos ao céu.
Repousámos encostados um ao outro, abraçados. A certa altura virou-me as costas num abraço aninhador na concha do meu corpo. A erecção cresceu outra vez e o desejo de a penetrar subiu irresistível. Acariciando a vagina primeiro, as secreções de uma textura de mel mostravam-me como o desejo nela voltava a crescer e aí entrei. Com um contacto profundo e prolongado mantivemos um suave movimento balanceado. Crescia o desejo de forma galopante e mudando ligeiramente de posição, ficando agora ela de costas e eu por cima, atingi rapidamente o orgasmo num irreprimível prazer de enlouquecer. Foi ao continuar as caricias nunca suficientes que nos levantámos e de pé não resistimos de novo à penetração. Curta, porque a posição é incómoda, acariciámo-nos mutuamente numa manipulação de sexos deliciosa. Foi aí que a torrente aconteceu.
Cansados e felizes, fizemos amor pela última vez naquela tarde sentados na cadeira e, recuperadas as forças, saímos para jantar.