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Não Raquel, não desvario,
Venus, o estilo é antigo,
Os seus dotes repartiu
Bem largamente contigo.
Deu-te esse corpo divino!
Esses seios palpitantes!
Fosse eu inda pequenino
E tu minh’alma! Que instantes!
Por ser branca e por ser loira
Tem o loiro em menos preço;
Por isso te deu da moira
O negro cabelo espesso.
Chega aos olhos… De repente
Vê que não tem na paleta
Cor nenhuma refulgente
Para imitar um planeta.
Corre logo à fonte limpa;
E procedeu com acerto
Que em ócios não se repimpa
Quem se encontra em duro aperto.
“Ó doce noite”, ela exclama,
“tu tens estrelas a esmo,
Duas quero em rubra chama,
Quase sóis; dois sóis. É o mesmo.”
A Noite, que é velha e fina,
E foi sempre a Vénus dada,
Responde: – Minha menina,
Só para a outra fornada.
–“Pois ao forno! E já! Que eu pago!”
A Noite, ouvindo-a, lampeira,
A estrada de Santiago
Deitou logo na caldeira.
Fogo ao lado, e fogo ao centro!
Quando a fervura era vivia
O sete estrelo pr’a dentro!
E folhas de sensitiva!
Ao cabo de poucas horas
Em duas orbitas fundas
Despejou duas auroras
Com qu’est’alma em luz inundas.
Venus pilou de contente;
Mas depois… (que são mulheres!)
Disse à outra em tom plangente:
“Adeus!… O que tu quiseres!…
Fizeste-a fresca! Eu reinava.
Era no Olimpo a mais bela.
Passei de rainha a escrava.
A Venus agora … é ela!”
Francisco Palha (1826-1890), poeta da geração de “O Bardo”, notabilizou-se em vida como homem de teatro. Empresário e director do Teatro D. Maria II, devolveu a este teatro o esplendor que tinha conseguido a seguir à sua fundação por Almeida Garrett. As peripécias da vida teatral num teatro oficial, levaram-no a sair e a construir o Teatro da Trindade que dirigiu até à morte.
Este A Venus Nova, tem o sabor ligeiro de tanta da poesia do “O Bardo”.
Poesia sem preocupações metafisicas ou outras agonias em moda à época, é bem o reflexo de um espirito todo ele virado para o entertenimento e bonomia no viver, e que atravessa a sua poesia.
O poema vem publicado em MUSA VELHA, editado em 1883.
Deste mesmo MUSA VELHA recolho um exemplo de rima despretenciosa para dar a imagem da juventude e da velhice, usando uma forma singela, adequada à inscrição NUM ÁLBUM, instituição tão caracteristica da sociedade burguesa do século XIX.
NUM ÁLBUM
Por essa existência fora
Nosso caminho é diferente.
Eu vou por onde se chora;
Tu por onde canta a gente.
Tu chegas; tu vens agora;
Tu sobes qual sobe a aurora;
Eu, tal qual o sol poente,
Desço… desço!… Vou-me embora.
E em jeito de epitáfio escreve o poeta AS MINHAS MEMÓRIAS dedicado À Exma Sra D.A.F. Pinto
Nasci. Vivi. Foi meu cruel destino
Ser inutil, vulgar, enquanto moço.
De dor em dor, cansado peregrino,
Chego à triste velhice sem conforto.
Nunca pude saber o que era tino,
Como a bolsa não soube o que é caroço.
Quando voltares hei-de ser um morto.